Processo Dá licença, se não eu grito! Com a Cia. Boccaccione

Com dramaturgia e direção sob minha responsabilidade, segue o relato sobre o processo de relação de construção da obra e relação com o Edifício Centro Cultural Palace:



“Agora que o teatro começou” – Carta aberta destinada à coordenação do Centro Cultural Palace e ao secretário de cultura, Alessandro Maraca, referente ao projeto contemplado pelo PIC – Programa de Incentivo Cultural nº 008/2011, “Dá Licença, se não eu grito! – Montagem de Ocupação Cênica da Cia. Boccaccione”.

A Cia. Teatral Boccaccione atua, desde 2006, no município de Ribeirão Preto com espetáculos de rua – norte de sua pesquisa - , teatro infanto-juvenil e adulto.
Desde sua fundação trabalha ativamente com projetos locais – financiados e coordenados pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, Fundação Feira do Livro, SESC Ribeirão, entre outros; e também em festivais nacionais de teatro que possibilitam a circulação por todo país, contextualizando o município-sede do grupo no cenário artístico nacional.
Em sua primeira edição realizada em 2010, o PIC – Programa de Incentivo Cultural, edital de caráter municipal que fomenta atividades artísticas em diferentes linguagens (teatro, música, fotografia, dança, etc), o grupo foi contemplado com o projeto “A Rua – espaço cênico e de formação artística”, no qual levou a 20 (vinte) bairros periféricos da cidade uma oficina de teatro de rua para os moradores, compilada a uma apresentação teatral do espetáculo “Ubu Rei”, que propunha a participação direta dos participantes da oficina na apresentação da peça.
Em 2012, com a intenção de contribuir para a movimentação e programação do Centro Cultural Palace, prédio recém-restaurado na cidade e designado, em princípio, exclusivamente para atividades culturais, o grupo foi contemplado novamente pelo mesmo edital, entretanto agora com o projeto “Dá Licença, se não eu grito! – Montagem de ocupação cênica da Cia. Boccaccione”, que propõe como impulso criativo a ocupação do mesmo centro cultural referido acima.
Entende-se por ocupação cênica, linguagem presente no projeto enviado, a criação de dramaturgia inédita, pesquisa e encenação, tendo como material criativo a utilização, em sua totalidade, do espaço destinado, não somente como estrutura física (como no caso do teatro realizado em palco italiano), mas também como signo e recurso que consequentemente dialoga diretamente com a criação da obra.
Para tal desenvolvimento de pesquisa, o grupo apresentou um cronograma no qual propunha ensaios diários no Centro Cultural Palace entre Março e Junho e as 10 (dez) apresentações de contrapartida no mês Agosto de 2012.
Com o atraso no pagamento do prêmio, fato constante nos outros anos de realização do Programa, o cronograma precisou ser alterado, já que o grupo não havia recebido os 80% da verba necessária para a produção da peça teatral.
Na segunda proposta de cronograma, as apresentações foram planejadas para Novembro e Dezembro de 2012, entretanto, a coordenação do Centro Cultural Palace, nomeada por Meire Teixeira, já havia fechado a agenda com atividades diárias, desconsiderando o fato do projeto ter sido elaborado para realização neste espaço e com prazo de realização no mesmo ano, afinal trata-se de um edital com abertura anual, proposto e aprovado pela comissão de análise.
Novamente um terceiro e ultimo cronograma foi necessário; em acordo com a coordenação do Centro Cultural e a Secretaria Municipal de Cultura, o processo de montagem aconteceria entre Janeiro e Fevereiro de 2013 e as apresentações no mês de Março do mesmo ano.
Desde a primeira etapa do processo, realizada dentro do cronograma apresentado no projeto aprovado, ainda sem alterações, houve dificuldade de instalação da Cia. Teatral Boccaccione no prédio. E os motivos foram inúmeros.
O prédio foi inaugurado às pressas, ainda sem estrutura de manutenção, tanto na quantidade de funcionários para sua gestão, quanto na projeção de custos necessários para que pudesse liberar visitas do público como marketing político da prefeita Dárcy Vera. Com tudo, foram relatados furtos, danificações ao patrimônio e invasão de andarilhos, por não ter o suporte necessário de segurança e vigia. Com a proposta de suprir essa lacuna e aproveitando-se de um momento conturbado no qual o atual Conselho Municipal de Cultura não havia conseguido tomar posse por incompetência burocrática e jogo político da atual gestão, (sendo que esta deveria ter ocorrido entre Setembro e Dezembro de 2011), realizou-se em Março de 2012, uma reunião ilegal presidenciada pelo arquiteto Claudio Henrique Bauso, atual Diretor Patrimonial do Centro Cultural Palace, na qual tinham presentes, em sua maioria, representantes do poder público, ocupando “cadeiras fantasmas” que tinham como único encaminhamento decidir a instalação da Secretaria do Turismo no prédio, transformando o Centro Cultural em sede burocrática, com a promessa de que esta secretaria fosse fornecer a estrutura que o espaço necessitava para seu funcionamento.
No início dos ensaios, a Cia. Boccaccione obteve diversas reclamações solicitando que os atores não sentassem no chão, não comessem no espaço, e outras coisas que restringiam e limitavam a presença de artistas no local, justificando que atitudes “feias” como essas, poderiam resultar em uma má impressão do prédio.
De fato, comparar as necessidades e o percurso que um funcionário administrativo executa tendo como ponto de partida o espaço que ocupa, é infinitamente inválido, pois são convivências completamente diferentes.
Obviamente, a instalação da Secretaria de Turismo no Centro Cultural Palace contribuiu para a transformação de um Centro Cultural em vitrine política, como existem várias espalhadas por Ribeirão Preto -, tais como o caso do Theatro Pedro II, localizado bem ao lado -, pois distancia cada vez mais o que de fato ele deveria transpirar: cultura.
Como dito pela coordenadora do Centro Cultural Palace, Meire Teixeira, (...) “Em 2012, sua agenda atendeu mais de 400 atividades culturais”, a Cia. Teatral Boccaccione não ignora as atividades realizadas no Centro Cultural, embora destaque que a quantidade de atividades não significava absolutamente nada para a eficiência na gestão de um espaço cultural; principalmente ao saber que até Janeiro de 2013, dois anos após a elaboração do projeto e a insistência em executá-lo, a coordenadora ainda não tinha ao menos conhecimento do que se tratava o conteúdo do projeto “Dá licença, se não eu Grito!- Montagem de Ocupação cênica da Cia. Boccaccione”.
O fato é que talvez possa dar uma “má-impressão” a criação de um processo artístico aos olhos de quem pouco quer ter contato com a cultura da cidade, que engloba falas dissonantes de atores em treinamento, aquecimento corporal com rolamento no chão, ou o suor no rosto, digno do trabalho de artistas dispostos a transpirar inclusive, com suporte de ar condicionado; e por todos esses motivos, a relação entre atores, diretora e Centro Cultural está desgastada, sem antes nem avançar o processo em si.
Talvez apenas os companheiros, trabalhadores da arte, compreendam o quanto ouvir o berro de uma senhora que usufrui o espaço administrativamente com palavras sem poesias e sem direção, como: “Ô Gente, eu tô trabalhando, não dá pra fazer baderna pra lá?”, quebra e interrompe o processo artístico e parece jogar lixo o que foi construído.
Ou o quanto os funcionários, responsáveis pelo acompanhamento dos ensaios, vigiarem incessantemente cada passo dos atores, para saber se estão colocando o pé na parede, ou comendo algo que possa danificar o chão, as mesas e cada detalhe...
Temos a impressão de que parece termos um histórico negativo, como se os furtos tivessem sido executados por nós e por isso o excesso de vigia, ou como se já houvéssemos danificado algum pedaço de papel que fosse, e por isso, não podemos mover uma caneta, sem a autorização dos superiores, sem ofício, sem papel timbrado. Fica difícil o diálogo, porque pra nós, artistas, embora tenhamos um comprometimento e responsabilidade em relação a estrutura física, ela nada significa sem o preenchimento que a arte traz. O Palace tem ficado famoso na cidade, descrito pelos artistas como o “elefante branco”. Estrutura grande, grandes salas, e preenchimento superficial, encapado de fitas de cetim.
Atualmente os ensaios da Cia. Boccaccione foram suspensos pela coordenadora Meire Teixeira, e aguardamos até então um posicionamento do secretário de Cultura, que não respondeu nenhum dos e-mails propondo esclarecimentos, e embora tentássemos utilizar a própria sede do grupo para dar continuidade a criação, percebemos ser impossível, afinal, o fio condutor do trabalho é a ocupação consentida pela Secretaria Municipal de Cultura, após aprovação do projeto, e sem ela, parece que o resultado caminha para algo superficial, que não queremos fazer.
As discussões ultrapassam os inúmeros limites de cada detalhe, e interrompe todo dia ao precisar pedir uma chave e isso precisar ser consultado, analisado, refletido, protocolado. O acompanhamento do projeto é feito por pessoas que não entendem absolutamente de processo criativo, que não querem fazer hora extra noturna, acompanhando os ensaios, e que se posicionam com ar superior simplesmente por se depararem com coordenação de um espaço tão bem estruturado como aquele, acreditando que isso seja maior que a criação do trabalho; E a ignorância ultrapassa o respeito ao interromper uma cena em criação, o balançar chaves com ansiedade de ir embora, fazer um escândalo na porta da frente do Centro Cultural Palace, por um dos atores subir em uma marquise, apenas experimentando uma cena.
Os valores são distorcidos e a forma nada profissional, histérica do arquiteto Claudio Henrique Bauso, aparentando não estar em uma condição normal para fazer um acompanhamento artístico, acreditando ser eficaz a mesma exaltação desnecessária com a qual participava das reuniões do antigo Conselho Municipal de Cultura.
O fato é que trazer essa reflexão a atual gestão do Centro Cultural Palace, espaço público que queremos ocupar em sua totalidade, acabou por se tornar mais importante que a obra em si, porque artistas não servem apenas para fazer “pecinhas” de teatro e exibir figurinos. Vai além. A arte começa a partir do momento que temos um impulso criador. “E o teatro começou agora”, frase dita por Claudio Henrique Bauso, em meio a uma discussão com o elenco, agora parece fazer total sentido, entretanto, sem a ironia de suas palavras.

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