Prato do dia


A fome da dramaturgia

 
A partir das minhas experiências processuais, a dramaturgia foi proposta não apenas como o lugar das textualidades da cena, mas também como o modo uma arquitetura de organização de ações, manipulada pelos atores famintos e pelo olhar da direção (impetuosa?!). Atrelada a essa prática, dois mecanismos foram aprofundados: o depoimento como uma forma narrativa de diálogo com o público e a edição como a junção de materiais temáticos e estéticos, recolhidos a partir de percursos por locais públicos e privados, pesquisa essa que continuo aprofundando hoje como atriz e dramaturga. Arrematando a construção das cenas, optei por apresentar cada “prato” como o fragmento de uma rotina, na qual as cenas se apresentam como contos mínimos ou quadros inter-dependentes, que apresentam uma lógica a partir da imagem de um grande self-service. A linguagem do espetáculo busca uma relação direta com os espectadores, inserindo-os na trama ficcional e explora a ironia dos discursos e das condições dos personagens.

Esta obra é resultado do processo de montagem do espetáculo que começou com a pergunta: você tem fome de quê? A partir de cada desejo, surgiram várias “fomes”: consumismo, pedofilia, religiosidade, ditadura da beleza, o corpo como receptáculo de memórias e cicatrizes, o corpo banalizado pelo sexo, as obsessões das dietas, a fuga da rotina nos bares e vícios, a solidão e a impressão de que tudo está sendo deglutido rápido demais: não há tempo de se digerir nada. Durante sete meses, atores, dramaturgia, direção e equipe criadora, através de pontos de vistas, materiais visuais, sonoros e textuais, percursos por ruas, terrenos baldios, bares, açougues, salão de beleza e restaurante popular, entre outros lugares, compuseram as imagens, intervenções e situações a seguir. Outras vertentes de construção cênica do espetáculo partiram da ocupação de todos os espaços do prédio que abriga o Galpão Cine Horto e da pesquisa em relação à narrativa. No fundo, são depoimentos sobre o quanto temos fome de falar sobre o que o queremos, pois no fundo quero que isto tudo se torne um grande banquete para o espectador: ácido, delicioso, saboroso, enjoativo, etílico e divino.
Bom apetite, espectador.

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Áreas de atuação como pesquisadora e orientadora do mestrado PPGAC/UFOP