Duas narrativas vagabundas

Filho da puta

Um filho da puta é alguém que mexe contigo quando você está quieto.
Porque não tem nada melhor pra fazer a não ser te apurrinhar. Te chutar quando ninguém está olhando. Um verdadeiro filho da puta que está por cima da carne seca.
Um filho da puta é o cafajeste que dorme com uma mulher e a deixa ir embora no meio da noite fria. Ele merece ser capado.
Uma filha da puta é a vadia que se deita com o primeiro homem que lhe dá trela no meio da noite. Ela merece ir embora no frio.
Um filho da puta é o cara que divide a conta com a garota e ainda tem a cara de pau de pegar seu troquinho mixuruca. Filho da puta unha de fome.
Um filho da puta é o cara que desgarrega a mãe num asilo, enquanto se casa com a mulherzinha em tons pastéis dos seus sonhos de margarina. Filho da puta depravado.
Um filho da puta é aquele que se deixa de ser seu amigo porque agora tá pegando sua ex-namorada, que antes ele detonava sem parar.
Uma filha da puta é aquela que depois de gozar, amarra seu sorriso de satisfação porque tem medo de se entregar.
Um filho da puta é o irmão que te chantageia a cada vitória sua, porque não tem competência de ter suas próprias coisas.
Filho da puta é aquele que projeta toda sua vida num futuro idealizado e esquece de viver este presente mesquinho, que nem somos capazes de controlar.
Filha da puta é o menino no meio da noite que não tem pra onde ir, espreita o desavisado pra roubá-lo, filho da puta porque existe, tem fome e atrapalha o trânsito na avenida principal.
Me perco entre infinitos filhos da puta. Não sei se eu mesmo estou me tornando um deles.
Na verdade, filho da puta é este narrador que acha que tem o direito de julgar e apontar as atitudes dos outros à torto e à direita.
Filhos da puta, como eu, costumam ser irresistíveis, necessários, mas nem por isso, deixam de ser hipócritas.

Coisas vagabundas

Para o insano das florestas, na passagem dos seus anos.

Cravo vermelho na lapela.
Um cheiro no cangote bem dado.
Batom vermelho marcado na barba rala.
Caninha 51, cachaça salinas, limão e sal.
Arroz com ovo e banana.
Você roubou minha loucura.
Fumar o cigarro perfeito depois de uma bela feijoada.
Pise machucando com jeitinho esse coração que ainda é seu.
Moça bonita de cabelos negros e saia de xita caminhando na praia.
O que você não pede sorrindo que eu não faço chorando.
Café passado no coador de pano, rapadura e prosa fiada.
Um forró bem agarradinho, quando a pista já tá vazia.
Terno branco e sapato bicolor.
Desabotoar um vestido longo.
A cerveja no entardecer no meio duma semana qualquer.
Um acorde melancólico de uma viola ao luar.
Eu não sou cachorro não.
Rapaz de cabelos revoltos e peito nu no final da tarde.
Pés nus roçando debaixo da mesa do bar, enquanto o papo corre solto.
Beijo na mão, olho no olho, pele, suor, saliva e cabelos.
Eu quero um samba feito só pra mim.
Barracão de zinco de duas portas e três janelas.
Um colo de mulher bem bronzeado.
Mais pra frente que pára choque de caminhão.
Amor de cão, baba de cão.
Uma carta de despedida, com palavras recheadas de esperanças.
Uma noite não faz verão.
Chão de terra batida, com galinhas, porcos e plantas rasteiras.
Domingo à tarde, depois do almoço, pés pro ar.
O amanhecer numa padaria depois de uma longa noite de bebedeira.
O olhar sem pudor. Sedução irresistível.
Minha escrita sem vergonha.

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